O Coletivo é Revolucionário
- Giovanna Reis
- 10 de jun. de 2024
- 6 min de leitura

Uma passarela feita de peças de roupa, iluminadas por uma luz secundária cor-de-rosa. Esse foi o cenário para nove mulheres darem um show sobre moda consciente. No prédio da biblioteca da Uniritter, na terça-feira 24 de junho, aconteceu o segundo dia do evento que tem como objetivo popularizar o movimento Fashion Revolution, conhecido ao redor do mundo. Apesar do vento frio que soprava do lado de fora, lá dentro, era possível enxergar o calor do entusiasmo no rosto de quem estava ali aguardando para assistir ao espetáculo. Em pouco tempo, a passarela estava pronta para receber as modelos e suas criações. Nove mulheres, representando uma variedade de estilos e idades, desfilaram com peças produzidas durante a oficina realizada no dia anterior ao desfile, que envolveu os alunos e os moradores das comunidades próximas do centro universitário.
É tradição abrir e fechar os desfiles com os maiores destaques nas passarelas e com o Fashion Revolution não foi diferente. Para começar, uma boneca, que representa a grande líder do bairro Mário Quintana, desfilou em homenagem à Vó Chica. A personificação de uma das mulheres mais importantes da Vila Safira, Dona Maria Francisca Gomes Garcia, foi produzida pelo projeto social homônimo, que oferece diversas atividades culturais a crianças e adolescentes da Safira. Dona Maria, mulher preta que viveu até os seus 107 anos e foi mencionada como “referência de bondade”, por Cláudio Costa, que é fundador do projeto e tem uma tatuagem no braço que traduz seus sentimentos. A Vó Chica era parteira, benzedeira e ajudou vários vizinhos em tempos que o acesso à saúde quase não existia nessas regiões. Depois de sete mulheres caminharem exibindo as peças produzidas a partir de ideias sustentáveis ao longo da atividade que antecedeu o desfile, duas meninas foram escolhidas para finalizar a performance. Seja por identificação, representatividade ou admiração, elas levaram a audiência à loucura. Ao longo da mostra, enquanto as modelos cruzavam a passarela, ficava evidente que o Fashion Revolution não é apenas sobre moda, nunca foi.
O Movimento Fashion Revolution

Bandeira confeccionada durante a oficina de Fashion Revolution, com o questionamento central do movimento: Quem fez as minhas roupas?
O Fashion Revolution é o movimento global que ocorre anualmente e possibilita debates sobre consumo e produção consciente no universo fashion. Foi fundado após o desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh, em 2013, que resultou na morte de 1.138 pessoas e deixou mais de 2.500 gravemente feridas. O instituto criado por Carry Somers e Orsola de Castro tem como objetivo alertar sobre questões relacionadas à transparência e à ética no mundo da moda, para que tragédias como essa nunca mais aconteçam. Ele encoraja compradores a questionarem "quem fez minhas roupas?" às marcas e a considerarem práticas mais sustentáveis e justas com quem confecciona. Considerando a histórica preocupação com a dignidade dessas pessoas, é necessário que os consumidores se atentem a valores abaixo do comum, principalmente as comercializadas em sites de compras internacionais. Se você está pagando barato, provavelmente alguém está pagando caro. A cada ano, durante a semana do evento, ocorrem projetos e atividades ao redor do mundo, incluindo desfiles, workshops, palestras e exposições que buscam educar e engajar o público sobre a importância de uma moda atenta e ciente de suas questões. Além disso, o Fashion Revolution quer conectar pessoas, iniciativas e organizações do setor a partir dessas reuniões, que acontecem de maneira remotamente online e também presencialmente em todo o mundo. São encontros fundamentais que viabilizam o diálogo entre quem compra, quem pensa e quem faz, incentivando uma mudança da maneira como o fashion é feito atualmente.
Apresentados pelo relatório "Pulse of the Fashion Industry 2018", os dados coletados reforçam a urgência dessa transformação. A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo e contribui significativamente para a degradação ambiental. A Geração Z, que representa o futuro do mercado através de jovens entre 8 e 23 anos, está cada vez mais consciente e exigente em relação à sustentabilidade das marcas que escolhe apoiar. De acordo com a pesquisa "The State of Fashion 2022" de McKinsey & Company e Business of Fashion, a ideologia influencia cada vez mais a probabilidade de compra, uma vez que 43% desse grupo está buscando ativamente empresas que promovam alternativas de consumo e estão alinhadas a ideais ecológicos e duráveis. A distinção entre alternativa de consumo e consumo alternativo, pela ótica de Heloisa Hervé compartilhada em palestra na edição gaúcha do evento de Dia Mundial da Criatividade, é fundamental para entender as particularidades desse comportamento na moda. Com o objetivo de criar um espaço colaborativo entre marcas autorais presentes em sua comunidade, Helô criou a Aloja com uma amiga em 2017. A publicitária explica que “a economia criativa é o caminho para uma sociedade mais equilibrada e honesta”, em publicação feita nas suas redes sociais. A alternativa de consumo abrange a prática de escolher opções mais sustentáveis e éticas dentro do mercado tradicional. Comprar roupas de marcas que adotam práticas ecológicas, utilizam materiais duráveis e garantem condições de trabalho justas, optar por brechós e trocas de peças e praticar os famosos ajustes ao invés do descarte. Enquanto que o consumo alternativo pode soar como ultrapassado, uma vez que devemos ter esse comportamento como modelo e não apenas opção.
Além das Passarelas
Por meio dos seus projetos de extensão, a Uniritter apoia ativamente as comunidades ao redor dos seus Campi. Projetos focados em causas socioambientais, permitem que alunos do centro universitário se relacionem diretamente com moradores locais, cooperando no que for possível para o progresso dos envolvidos. Tem a proposta de impulsionar o desenvolvimento pessoal, profissional e acadêmico para ambos os lados, através de uma rede de contatos que se ajudam. Renato Marques é representante da ONG SUVE — Sociedade União Vila dos Eucaliptos — e esteve presente no desfile do Fashion Revolution. O voluntário destaca:
“Se nós tivéssemos conhecido esse projeto e esse contato com a faculdade há uns 20 anos atrás, o bairro Mário Quintana seria outro!”.
A colaboração com as comunidades e as produções realizadas permitem que os alunos desenvolvam um maior senso de responsabilidade socioambiental, aplicando seus conhecimentos acadêmicos para fazer diferença verdadeira na vida das pessoas. Além disso, os encontros do grupo permitem maior aprofundamento em pautas que impactam o cotidiano dos alunos, proporcionando oportunidades para colocar em prática a teoria aprendida em aulas.
Ver as crianças presentes entusiasmadas para aprender sobre o mundo da moda desperta um sentimento de esperança renovada. Ao criar espaços colaborativos é proporcionado a elas a oportunidade de se enxergarem pertencentes a espaços, conhecimentos, vivências e sonhos que antes eram restritos até a imaginação. Além da diversão no momento da confecção, percebida em meio às suas risadas e sorrisos de orelha a orelha durante a produção das peças na segunda-feira (23), pareceu gratificante assistir a um desfile com a própria colaboração. A juventude novamente cruza o caminho da revolução e eventos como esse passam a simbolizar um futuro pŕoximo onde a produção e o consumo podem ser uma força positiva, inclusiva e sustentável de verdade. A moda não deve ser apenas sobre roupas: é uma expressão de identidade, cultura e potencial. Os frutos gerados a partir da participação do público mais jovem em oficinas, onde terão interações diretas com diversas áreas de conhecimento, vão além do âmbito da educação. O contato dessas crianças com diferentes segmentações do mundo acadêmico e profissional, oferece a elas a possibilidade do futuro. Esse movimento as empodera por enxergarem o estudo como um espaço acessível e próximo a ser ocupado. O evento no Campus FAPA mostra que, através da educação, da conscientização e do acesso, é possível cultivar uma nova geração comprometida com o meio-ambiente, pois é proveniente dele todo e qualquer outro problema que a população tem de lidar atualmente. E a solução também.
Oficinas de Fashion Revolution espalhadas pelo mundo, promovem ideais de consumo consciente e
práticas sustentáveis no mundo da moda, com os costura.
O Fashion Revolution não é apenas um movimento, mas uma chamada à ação para todos. Ao adotar práticas de consumo consciente e apoiar iniciativas alternativas, é possível contribuir para um mundo onde o “fazer moda” seja uma potência de expressão, beneficiando tanto as pessoas quanto o planeta. Se faz necessária a união de esforços a fim de transformar a indústria e construir um futuro mais justo. A verdadeira revolução começa com cada um, nas pequenas escolhas do dia a dia pensadas a favor do meio ambiente.
*As fotografias foram produzidas pelo grupo de extensionistas da Uniritter — FACS
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